Shiva Samhita

O nome Shiva Samhita significa em sânscrito:“Coleção [de Ensinamentos] de Shiva”. É um texto em 540 estrofes sobre Hatha Yoga datado do século XVII desta era. Essas 540 estrofes, compostas na métrica chamada trishtubh, estão divididas em cinco capítulos, chamados patalas. A obra está composta na forma de um diálogo entre o deus Shiva e sua esposa Parvati, no qual o deus-yogi ensina as práticas do Hatha para sua consorte (detalhe que demonstra que, contrariamente à crença em voga em alguns círculos de Yoga da atualidade, esta prática era tanto para homens quanto para mulheres naquela época, assim como nas anteriores).


Este livro tem “apenas” 300 anos de idade, mas resgata práticas muito anteriores a ele. Assim como a Gheranda Samhita, cita copiosamente o mais antigo manual de Hatha que chegou até a atualidade, a Hatha Yoga Pradipika, bem como algumas das Upanishads do Yoga e um importante texto de Vedanta, atribuído a Adi Shankaracharya, chamado Atma Bodha.

O primeiro capítulo apresenta as noções filosóficas sobre as quais se apoia este sistema, claramente baseadas nos ensinamentos do Advaita Vedanta, a maior e mais influente escola de filosofia não-dualista da Índia. O autor nos exorta a percebermos a unidade que permeia a criação, à qual todos nós estamos inextrincavelmente ligados, bem como a percebermos e compreendermos a verdadeira natureza da realidade, oculta sob o véu de maya, a ilusão.

O segundo patala versa sobre a estrutura do corpo sutil. O terceiro capítulo contém as técnicas de asana e pranayama. O quarto, ensina as práticas de mudra, os selos energéticos, e inclui uma detalhada e insólita técnica de reabsorção seminal prescrita para evitar a perda do sêmen durante a cópula, chamada vajrondi mudra. O quinto e último capítulo, que é o mais extenso, versa sobre os chakras, centros de energia no corpo sutil, bem como sobre quatro formas de Yoga: Mantra, Hatha, Laya, e Raja Yoga, e seus diferentes métodos.

Hatha e Raja Yoga como caminhos complementares

Chegando no final do último capítulo, o autor retoma uma idéia já presente na Hatha Yoga Pradipika: a de que Hatha e Raja Yoga são interdependentes e complementares:
“O Hatha Yoga não pode ser obtido sem o Raja Yoga, nem o Raja Yoga pode ser obtido sem o Hatha Yoga. Portanto, o yogi deverá, primeiramente, aprender o Hatha Yoga das instruções de seu sábio mestre”. V:182.

Compare o leitor a frase acima com a afirmação da Hatha Yoga Pradipika: “Saúdo o Primevo Senhor, Shiva (Adinatha), que ensinou o conhecimento do Hatha Yoga a sua esposa Parvati. Este conhecimento, como uma escada, conduz ao elevado Raja Yoga”. I:1.

Tipos de praticantes de Yoga (sadhakas).

“O Yoga é de quatro tipos: primeiro, vêm o Mantra Yoga; em segundo lugar, o Hatha Yoga, em terceiro, o Laya Yoga e, em quarto lugar, o Raja Yoga, que elimina as dualidades”. V:9.

O autor afirma que nem todas as formas de Yoga são adequadas para todas as pessoas: “Os praticantes são de quatro tipos: [aqueles cuja intensidade é] suave, moderada, ardente e muito ardente. [Este último tipo,] o melhor, pode cruzar o oceano do mundo [das aparências]”. V:10.

A continuação, descreve a motivação e as características de cada um desses tipos de praticante, indicando, em função dessas características, o tipo de prática mais adequado para cada um:

“Pessoas de mente estreita, distraídas, adoentadas, que questionam os ensinamentos do mestre, homens avarentos, que agem de modo incorreto, glutões, demasiadamente apegados a suas esposas, tímidos, doentes, não independentes, carentes e cruéis, aqueles de mau caráter e os fracos, todos esses são considerados praticantes [de motivação] fraca. Com grande esforço, tais pessoas alcançam o sucesso na prática em doze anos. Estes devem ser considerados aptos para a prática de Mantra Yoga”. V:11.

“Pessoas de mente aberta, compassivas, amantes da virtude, eloqüentes. Aqueles que sempre evitam os extremos, são os praticantes de motivação média. Estes, devem ser iniciados pelo mestre no Laya Yoga”. V:13.

“Pessoas de mente firme, versadas no Laya Yoga, independentes, cheias de energia, magnânimas, cheias de simpatia, que sabem perdoar, verdadeiras, corajosas, cheias de confiança [no mestre e no ensinamento], adoradoras dos pés de lótus de seus Gurus, sempre comprometidas na prática de Yoga, tais pessoas são consideradas praticantes ardentes (adhimatra). Eles obtêm sucesso na prática de Yoga em seis anos, e devem ser iniciados no Hatha Yoga e seus diversos ramos”. V:14.

“Aqueles que tiverem o maior caudal de energia, com iniciativa, comprometidos, heróicos, conhecedores das escrituras, perseverantes, livres dos efeitos das emoções cegas, que não se deixam confundir, cheios de disposição, moderados em sua dieta, que dominam seus sentidos, destemidos, limpos, hábeis, caridosos, bem dispostos para ajudar o próximo, competentes, firmes, talentosos, que cultivam o contentamento, que sabem perdoar, que são de boa índole, devotos, que sabem manter seus objetivos em segredo, eloqüentes, pacíficos, que têm confiança nas escrituras e adoram Ishvara e o guru, que têm aversão a desperdiçar seu tempo e são livres de doenças, que conhecem os deveres do adhimatra e praticam todos os Yogas. Sem dúvida, tais praticantes obtêm o êxito na prática em três anos. [Estes são considerados os mais ardentes, e] estão capacitados para serem iniciados em todas as formas de Yoga, sem dúvida”. V:15.


Para quem é a prática de Hatha Yoga?

O leitor pode considerar as exigências e qualidades que se esperam do praticante ideal um tanto exageradas. Porém, o fato é que a maior parte das condições aqui listadas são essenciais para ter-se sucesso na prática. Mesmo se para o praticante da atualidade for difícil de aceitar isso, desde o tempo das Upanishads o caminho do Yoga sempre foi descrito como um caminho estreito e difícil. Aliás, desde o início dos tempos o Yoga foi considerado um caminho para muito poucos, como a própria Shiva Samhita aponta numa outra passagem:

“Este Yogashastra aqui exposto é uma doutrina muito secreta, que deverá somente ser revelada nestes três mundos ao devoto de alma elevada”. I:19.

Pela afirmação acima, podemos deduzir que o ensinamento aqui contido não se destina a qualquer um, nem é para iniciantes. Pelo menos, segundo os autores destes textos antigos. Se o praticante não estiver preparado para cultivar as virtudes anteriormente listadas, que são condições sine que non para se fazer merecedor e receber o ensinamento do Yoga, seja do tipo que for, este ficará sempre fora do alcance dele.

Condições para se ter sucesso na prática.

“O yogi deve renunciar ao seguinte: 1. alimentos ácidos, 2. adstringentes, 3. substâncias pungentes, 4. sal, 5. mostarda, e 6. alimentos amargos. 7. Andar demasiado, 8.. tomar banho antes do amanhecer, e 9. alimentar-se com frituras. Ele deve evitar: 10. roubar, 11. matar [até mesmo animais], 12. cultivar inimizades, 13. o orgulho, 14. a ambigüidade e 15. a desonestidade. Igualmente, deve evitar 16. jejuar, 17. mentir, 18. pensamentos alheios à libertação dos condicionamentos (moksha), 19. crueldade em relação aos animais, 20. companhia de mulheres, 21. ficar demasiado perto do fogo, 22. falar demais, sem medir as conseqüências das próprias palavras e, finalmente, 23. comer demais”. III:33.


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